Millôr Revisitado - Com o tempo ficou ainda mais engraçado...Revelado: Aldo Rebelo é um comunista terceirizado.
Millôr Fernandes é processado pelo deputado José Aldo Rebelo
Legislador,
não passes da corrupção. A língua é a mais complexa, a mais milagrosa, a
mais estranha, a mais gigantesca e variada invenção humana. E nada é
mais dinâmico e menos sujeito a tutelas autoritárias. Agora, mais uma
vez, vê-se um cidadão, 'eleito pelo povo', propor uma lei proibindo o
uso de palavras estrangeiras em nosso cotidiano, hebdomadário e até
anuário.
Pera aí: estava em sua proposta de governo que ele tinha
autoridade para interferir no que eu falo, escrevo ou pinto em minha
tabuleta? Ele sabe, literalmente, do que está falando? Quanta
idioletice! PS: Não adianta correr ao Aurélio.
1) Reproduzindo
texto supostamente meu, o deputado bota, como meu, se referindo a ele:
'Ele sabe do que está falando? Quanta idiotice!". Ora, eu escrevi
idioletice. Acredito, portanto, que não cometi o 'crime' de que o
deputado e sua advogada Zilah Joly me acusam. O deputado nem leu
corretamente o que escrevi e confundiu idioletice com idiotice, o que é
uma comprovação da mesma.
2) O título Não Passes da Corrupção (e
não estou me retratando) quer dizer exatamente o que diz. Ressoa a Não
Passes dos Sapatos, recomendação que se faz a quem trata de um assunto
de que não entende, extrapolando do que entende ou devia entender.
Exemplo clássico: o sapateiro, de quem o pintor aceitou a crítica sobre
os sapatos de seu quadro, começa a criticar o quadro todo.
3) Não
coloquei o nome do autor, já que não era o caso, em se tratando de um
absoluto leigo no assunto (e anônimo no geral) sobre o qual pretendia
legislar, a língua nossa. Não dele, pelo visto. Ele não parece entender
do que está falando. Será que o Vossa Excelência aceitaria pequena
sabatina, tipo português lecionado no segundo ginasial?
4) Bem, o
'comprometimento da honorabilidade' do moço, pra ser tão grave,
precisaria, pelo menos, do uso do seu nome. Sem o uso do nome a desonra
fica restrita ao convívio de seus pares (e ímpares), que devem conhecer
muito bem sua honra, e cultura, geral e específica. E saber que o
jornalista que o desonra é, no mínimo, um leviano.
5) Mesmo
acabada a imunidade geral, o parlamentar tem direito total
(compreende-se que até, ocasionalmente, ofensivo ou resvalando por aí)
ao uso de sua palavra. Não pode ser condenado por isso. E o jornalista,
que vive só e apenasmente da palavra, não pode nem discordar da
legislação semântica do parlamentar sem ficar sujeito a pagar R$ 30.200?
6)
Não reconheço autoridade (mas isso é coisa minha) lingüística nem na
ABL, nem na OAB. Há profissionais do ramo em ambas as entidades, mas à
maioria eu não entregaria meu cachorro lingüístico pra passear na praia.
Preferiria que o caso - em sua parte específica - fosse julgado por
entidades mais especializadas.
7) Embora não seja necessário,
devido a se atribuir alto conhecimento da língua que defende, explico
aqui ao nobre deputado o que significa a palavra idioletice. É palavra
criada por mim com sentido evidente. Mas apenas coloquei a desinência
ice na palavra IDIOLETO. Ah, e o que é idioleto?
Vejamos:
Aurélio: Idioleto: S.m. E.Ling. 1. A fala de um único indivíduo.
Houaiss
(definição mais barroca): Idioleto: Sistema lingüístico de um único
indivíduo, que reflete suas características pessoais, os estímulos a que
foi submetido, sua biografia etc. (Pertence ao campo da langue, e não
da parole, porque trata de particularidades lingüísticas constantes, não
fortuitas. Depreendido de dialeto).
Il Nuovo ZINGARELLI -
Vocabolario della lingua italiana: Idiolétto: Linsieme degli usi di una
lingua carateristtico di um dato individuo, in un determinato momento.
The
Oxford Companion to the English Language: Idiolect: (1940. From greek,
idios personal, and - lect as in dialect). In linguistics, the language
special to an individual, sometimes described as a 'personal dialect'.
The
Cambridge Encyclopedia of Language. David Crystal: Idiolect: Probably
no two people are identical in the way they use language or react to the
usage of others. In recent years sociolinguists have begun to use lect
as general term in this way. A Suplement to the Oxford English
Dictionar: Idiolect-1948. B.Bloch in Languages XXIV.7. The totality of
the possible utterances of one speaker at one time in using one language
to interact with other speaker is an idiolect.
Diccionário de uso
del espanol actual: Idiolecto: En lingüistico, modo característico que
cada hablante tiene de emplear sua lingua. (Importante, deputado: o
prefácio deste dicionário é de Gabriel García Márquez. Vale a pena ler.)
1948.
Archivum linguisticum: Idioletical diversty is an invitable
result of the productivity inherent in every single individual
linguistic habits.
8) PS. Ah, deputado José Aldo Rebelo e advogada
Dra. Zilah Joly: na página 07, linha 6, antepenúltima palavra da linha,
de vosso brilhante arrazoado, existe um à (a craseado), que mostra
certo desconhecimento da língua normatizada. Eu não ligo não, defendo
mesmo a tese de que a crase não existe em português do Brasil, mas tem
gente no foro que repara.
PPS. É famoso; Monsieur Jourdain, o
novo-rico de Molière, querendo comprar cultura prêt-à-porter, ficou
besta quando o professor contratado lhe explicou o que era prosa: 'Prosa
é isso, Mestre? Quer dizer que eu falo prosa sem saber?'. Me
processando agora e me obrigando a esta dissertação, o deputado Aldo
Rebelo prestou enorme serviço a todos vocês e amáveis (e grosseiros
também, por que não?) leitores. De hoje em diante poderão empinar o
nariz diante de pessoas ignorantes e dizer com orgulho: 'Eu só falo
idioleto'.
O artigo de Millôr Fernandes está publicado no UOL
Nenhum comentário:
Postar um comentário