quinta-feira, 1 de maio de 2014

POEMA DE BRECHT





O CAVALO DE RUUSKANEN

Bertolt Brecht. Poemas: 1913-1956; trad. Paulo César de Souza. Ed. 34, 2000.



Ao chegar o terceiro inverno da crise do mundo

Os camponeses de Nivala derrubaram árvores como de costume

E como de costume os cavalos pequenos arrastaram os troncos de madeira

Até os rios, mas este ano

Receberam apenas cinco marcos finlandeses por um tronco, o preço portanto

De um pedaço de sabão. E ao chegar a quarta primavera da crise

Foram leiloadas as propriedades dos que não haviam pago os impostos no outono.

E os que haviam pago não puderam comprar rações para seus cavalos

Indispensáveis no trabalho da floresta e do campo

De modo que as costelas dos cavalos apontavam no

Pêlo sem lustre, e então o magistrado de Nivala

Foi ao camponês Ruuskanen, em seu campo, e falou

Com autoridade: “Você não sabe que existe uma lei que

Proíbe a judiação de animais? Olhe seu cavalo. As costelas

Estão à mostra. Este cavalo está doente

E deve ser morto”. E foi embora. Mas três dias depois

Ao voltar, ele viu Ruuskanen novamente

Com seu cavalo esquálido no campo minúsculo, como se

Nada tivesse acontecido e não houvesse lei nem magistrado.

Aborrecido

Enviou dois guardas com ordens estritas

De tomar o cavalo a Ruuskanen e levar

O animal maltratado imediatamente ao matadouro.

Mas os guardas, puxando o cavalo de Ruuskanen

Através da aldeia, viam, olhando em torno

Cada vez mais camponeses saindo das casas

Seguindo-os atrás do cavalo, e no fim do povoado

Pararam, inseguros, e o camponês Niskanen

Um homem devoto, amigo de Ruuskanen, sugeriu

Que a vila arranjasse alguma ração para o cavalo, de modo que

A matança não fosse necessária. Então, em vez do cavalo

Os guardas levaram consigo de volta, ao magistrado amante dos bichos

O camponês Niskanen com sua feliz mensagem

Em favor do cavalo de Ruuskanen. “Ouça, senhor magistrado”, disse ele

“Este cavalo não está doente, apenas sem ração, e Ruuskanen

Morrerá de fome sem seu cavalo. Mate o cavalo

E logo terá que matar o próprio homem, senhor magistrado.”

“Olhe como fala comigo”, disse o magistrado. “O

Cavalo está doente e lei é lei, por isso será morto.”

Preocupados

Voltaram os dois guardas com Niskanen

Retiraram do estábulo de Ruuskanen o cavalo de Ruuskanen

Prepararam-se para levá-lo ao matadouro, mas

Ao chegarem novamente à saída do lugar, lá estavam

Cinquenta camponeses como se fossem grandes pedras, e

Olhavam em silêncio para os dois guardas. Em silêncio

Deixaram estes o cavalo velho na saída do lugar.

E sempre em silêncio

Os camponeses de Nivala conduziram o cavalo de Ruuskanen

De volta ao estábulo.

“Isto é rebelião”, disse o magistrado. Um dia depois

Uma dúzia de guardas com rifles chegou com o trem de Oulu

A Nivala, a vila tão agradavelmente situada

Rodeada de prados, apenas para demonstrar

Que lei é lei. Naquela tarde

Os camponeses retiraram das paredes nuas

Seus fuzis, pendurados junto aos quadros

Pintados com frases bíblicas. Os velhos fuzis

Da guerra civil de 1918, que lhes haviam distibuído

Para usar contra os vermelhos. Agora

Apontavam-nos contra os doze guardas

De Oulu. Naquela mesma noite

Trezentos camponeses, vindos de muitas

Aldeias vizinhas, sitiaram a casa do magistrado

Na colina perto da igreja. Hesitante

O magistrado apareceu na escada, acenou com a mão branca e

Falou do cavalo de Ruuskanen com palavras bonitas

Prometendo deixá-lo viver, mas os camponeses

Já não falavam do cavalo de Ruuskanen, mas sim exigiam

Que os leilões cessassem e que os impostos

Fossem perdoados. Amedrontado até a morte

O magistrado correu ao telefone, pois os camponeses

Haviam esquecido não apenas que havia uma lei, mas também

Que havia um telefone na casa do magistrado, e agora ele telefonava

Seu grito de socorro a Helsinque, e na mesma noite

Chegaram de Helsinque, a capital, em sete veículos

Duzentos soldados com metralhadoras, na frente

Um tanque. E com esta máquina de guerra

Foram derrotados os camponeses, açoitados na Casa do Povo

Seus líderes arrastados ao Tribunal de Nivala e condenados

A um ano e meio de prisão, para que a ordem

Fosse restaurada em Nivala.

Mas sobretudo, em seguida somente

O cavalo de Ruuskanen foi anistiado

Por intervenção pessoal do Ministro do Estado

Em resposta às muitas cartas recebidas.


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