O CAVALO DE RUUSKANEN
Bertolt Brecht. Poemas: 1913-1956; trad. Paulo César de
Souza. Ed. 34, 2000.
Ao chegar o
terceiro inverno da crise do mundo
Os camponeses de
Nivala derrubaram árvores como de costume
E como de costume
os cavalos pequenos arrastaram os troncos de madeira
Até os rios, mas
este ano
Receberam apenas
cinco marcos finlandeses por um tronco, o preço portanto
De um pedaço de
sabão. E ao chegar a quarta primavera da crise
Foram leiloadas as
propriedades dos que não haviam pago os impostos no outono.
E os que haviam
pago não puderam comprar rações para seus cavalos
Indispensáveis no
trabalho da floresta e do campo
De modo que as
costelas dos cavalos apontavam no
Pêlo sem lustre, e
então o magistrado de Nivala
Foi ao camponês
Ruuskanen, em seu campo, e falou
Com autoridade:
“Você não sabe que existe uma lei que
Proíbe a judiação de
animais? Olhe seu cavalo. As costelas
Estão à mostra.
Este cavalo está doente
E deve ser morto”.
E foi embora. Mas três dias depois
Ao voltar, ele viu
Ruuskanen novamente
Com seu cavalo
esquálido no campo minúsculo, como se
Nada tivesse
acontecido e não houvesse lei nem magistrado.
Aborrecido
Enviou dois guardas
com ordens estritas
De tomar o cavalo a
Ruuskanen e levar
O animal maltratado
imediatamente ao matadouro.
Mas os guardas,
puxando o cavalo de Ruuskanen
Através da aldeia,
viam, olhando em torno
Cada vez mais
camponeses saindo das casas
Seguindo-os atrás
do cavalo, e no fim do povoado
Pararam, inseguros,
e o camponês Niskanen
Um homem devoto,
amigo de Ruuskanen, sugeriu
Que a vila
arranjasse alguma ração para o cavalo, de modo que
A matança não fosse
necessária. Então, em vez do cavalo
Os guardas levaram
consigo de volta, ao magistrado amante dos bichos
O camponês Niskanen
com sua feliz mensagem
Em favor do cavalo
de Ruuskanen. “Ouça, senhor magistrado”, disse ele
“Este cavalo não
está doente, apenas sem ração, e Ruuskanen
Morrerá de fome sem
seu cavalo. Mate o cavalo
E logo terá que
matar o próprio homem, senhor magistrado.”
“Olhe como fala
comigo”, disse o magistrado. “O
Cavalo está doente
e lei é lei, por isso será morto.”
Preocupados
Voltaram os dois
guardas com Niskanen
Retiraram do
estábulo de Ruuskanen o cavalo de Ruuskanen
Prepararam-se para
levá-lo ao matadouro, mas
Ao chegarem
novamente à saída do lugar, lá estavam
Cinquenta
camponeses como se fossem grandes pedras, e
Olhavam em silêncio
para os dois guardas. Em silêncio
Deixaram estes o
cavalo velho na saída do lugar.
E sempre em
silêncio
Os camponeses de
Nivala conduziram o cavalo de Ruuskanen
De volta ao
estábulo.
“Isto é rebelião”,
disse o magistrado. Um dia depois
Uma dúzia de
guardas com rifles chegou com o trem de Oulu
A Nivala, a vila
tão agradavelmente situada
Rodeada de prados,
apenas para demonstrar
Que lei é lei.
Naquela tarde
Os camponeses
retiraram das paredes nuas
Seus fuzis,
pendurados junto aos quadros
Pintados com frases
bíblicas. Os velhos fuzis
Da guerra civil de
1918, que lhes haviam distibuído
Para usar contra os
vermelhos. Agora
Apontavam-nos
contra os doze guardas
De Oulu. Naquela
mesma noite
Trezentos
camponeses, vindos de muitas
Aldeias vizinhas,
sitiaram a casa do magistrado
Na colina perto da
igreja. Hesitante
O magistrado
apareceu na escada, acenou com a mão branca e
Falou do cavalo de
Ruuskanen com palavras bonitas
Prometendo deixá-lo
viver, mas os camponeses
Já não falavam do
cavalo de Ruuskanen, mas sim exigiam
Que os leilões
cessassem e que os impostos
Fossem perdoados.
Amedrontado até a morte
O magistrado
correu ao telefone, pois os camponeses
Haviam esquecido
não apenas que havia uma lei, mas também
Que havia um
telefone na casa do magistrado, e agora ele telefonava
Seu grito de
socorro a Helsinque, e na mesma noite
Chegaram de
Helsinque, a capital, em sete veículos
Duzentos soldados
com metralhadoras, na frente
Um tanque. E com
esta máquina de guerra
Foram derrotados os
camponeses, açoitados na Casa do Povo
Seus líderes
arrastados ao Tribunal de Nivala e condenados
A um ano e meio de
prisão, para que a ordem
Fosse restaurada em
Nivala.
Mas sobretudo, em
seguida somente
O cavalo de
Ruuskanen foi anistiado
Por intervenção
pessoal do Ministro do Estado
Em resposta às
muitas cartas recebidas.
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