segunda-feira, 21 de abril de 2014

O MASSACRE DA COMPANHIA BANANEIRA


Em seu livro CEM ANOS DE SOLIDÃO 
A partir de fatos reais, Gabriel Garcia Marquez reconstrói o Massacre de Aracataca - da Companhia Bananeira (United Fruit): 

Os Três Mil Mortos na Estação de Trem.
 “Macondo tinha sido um lugar próspero e bem encaminhado até que o perturbasse, corrompesse e explorasse a companhia bananeira, cujos engenheiros provocaram o dilúvio como um pretexto para fugir aos compromissos com os trabalhadores.”

"esperando um trem que não chegava, mais de três mil pessoas, entre trabalhadores, mulheres e crianças, tinham atulhado o espaço descoberto em frente da estação e se apertavam nas ruas adjacentes, que o exército fechara com filas de metralhadoras.
- Senhoras e senhores –disse o capitão com uma voz baixa, lenta, um pouco cansada- têm cinco minutos para se retirar.
A vaia e os gritos repetidos afogaram o toque de clarim que anunciou o princípio do prazo. Ninguém se mexeu.
- Já passaram os cinco minutos –disse o capitão no mesmo tom.- Mais um minuto e atiramos.
José Arcádio Segundo, suando gelo, desceu o menino dos ombros e o entregou à mulher. “Esses cornos são capazes de disparar”, murmurou ela. José Arcádio Segundo se ergueu acima das cabeças que tinha pela frente, e, pela primeira vez em sua vida levantou a voz.
- Cornos! –gritou-. Podem levar de presente o minuto que falta.

Ao fim do seu grito aconteceu uma coisa que não lhe produziu espanto, mas uma espécie de alucinação. O capitão deu a ordem de fogo e quatorze ninhos de metralhadoras responderam imediatamente. Mas tudo parecia uma farsa. Era como se as metralhadoras estivessem carregadas com fogos de artifício, porque se escutava o seu resfolegante matraquear e se viam as suas cusparadas incandescentes, mas não se percebia a mais leve reação, nem uma voz, nem sequer um suspiro, entre a multidão compacta que parecia petrificada por uma invulnerabilidade instantânea. De repente, de um lado da estação, um grito de morte quebrou o encantamento: “Aaaai, minha mãe”. Uma força sísmica, uma respiração vulcânica, um rugido de cataclisma, arrebentaram no centro da multidão com uma descomunal potência expansiva, enquanto a mãe e o outro eram absorvidos pela multidão centrifugada pelo pânico.

Muitos anos depois, o menino haveria de contar ainda, apesar de os vizinhos continuarem a encará-lo como um velho maluco, que José Arcádio Segundo o erguera por cima da sua cabeça e se deixara arrastar, quase no ar, como que flutuando no terror da multidão, para uma rua adjacente. A posição privilegiada do menino lhe permitiu ver que nesse momento a massa ululante começava a chegar na esquina e a fila de metralhadoras abriu fogo.
 
Os sobreviventes, em vez de se atirarem no chão tentaram voltar à praça e o pânico deu uma rabanada de dragão, e os mandou numa onda compacta contra a outra onda compacta que se movimentava em sentido contrário, despedida pela outra rabanada de dragão da rua oposta, onde também as metralhadoras disparavam sem trégua. Estavam encurralados, girando num torvelinho gigantesco que pouco a pouco se reduzia ao seu epicentro, porque os seus bordos iam sendo sistematicamente recortados em círculo, como descascando uma cebola, pela tesoura insaciável e metódica da metralha. O menino viu uma mulher ajoelhada, com os braços em cruz, num espaço limpo, misteriosamente vedado aos disparos. Ali o colocou José Arcádio Segundo no instante de cair com a cara banhada em sangue, antes que o tropel colossal arrasasse com o espaço vazio, com a mulher ajoelhada, com a luz do alto céu de seca e com o puto mundo onde Úrsula Iguarán tinha vendido tantos animaizinhos de caramelo.   
... tentando fugir do pesadelo, José Arcádio Segundo arrastou-se de um vagão a outro... via os mortos homens, os mortos mulheres, os mortos crianças ... Quando chegou no primeiro vagão deu um salto na escuridão e ficou estendido em uma vala até que o trem acabou de passar. Era o mais comprido que já tinha visto, com quase duzentos vagões de carga e uma locomotiva em cada extremo e uma terceira no centro. Não tinha nenhuma luz, nem sequer os faróis vermelhos e verdes de disposição, e deslizava numa velocidade noturna e sigilosa. Em cima dos vagões se viam os vultos escuros dos soldados com as metralhadoras preparadas. 
José Arcadio Segundo caminha mais de três horas embaixo de um aguaceiro torrencial e então avista uma casa na qual é recebido pela proprietária que fica assustada ao vê-lo, pois ele parece ter sido tocado pela solenidade da morte. Ele comenta com a mulher que devem ter sido três mil mortos e a mulher nega dizendo que desde o tempo do coronel que não acontece nada em Macondo. Depois ele passa em 3 casas onde lhe dizem a mesma coisa: Não houve mortos

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