terça-feira, 28 de outubro de 2014

VOZES D'AFRICA- Castro Alves


VOZES D'ÁFRICA

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...

Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia
— Infinito: galé!...
Por abutre — me deste o sol candente,
E a terra de Suez — foi a corrente
Que me ligaste ao pé...

O cavalo estafado do Beduíno
Sob a vergasta tomba ressupino
E morre no areal.
Minha garupa sangra, a dor poreja,
Quando o chicote do simoun dardeja
O teu braço eternal.

Minhas irmãs são belas, são ditosas...
Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas
Dos haréns do Sultão.
Ou no dorso dos brancos elefantes
Embala-se coberta de brilhantes
Nas plagas do Hindustão.

Por tenda tem os cimos do Himalaia...
Ganges amoroso beija a praia
Coberta de corais ...
A brisa de Misora o céu inflama;
E ela dorme nos templos do Deus Brama,
— Pagodes colossais...

A Europa é sempre Europa, a gloriosa!...
A mulher deslumbrante e caprichosa,
Rainha e cortesã.
Artista — corta o mármor de Carrara;
Poetisa — tange os hinos de Ferrara,
No glorioso afã!...

Sempre a láurea lhe cabe no litígio...
Ora uma c'roa, ora o barrete frígio
Enflora-lhe a cerviz.
Universo após ela — doudo amante
Segue cativo o passo delirante
Da grande meretriz.
....................................

Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada
Em meio das areias esgarrada,
Perdida marcho em vão!
Se choro... bebe o pranto a areia ardente;
talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão...

E nem tenho uma sombra de floresta...
Para cobrir-me nem um templo resta
No solo abrasador...
Quando subo às Pirâmides do Egito
Embalde aos quatro céus chorando grito:
"Abriga-me, Senhor!..."

Como o profeta em cinza a fronte envolve,
Velo a cabeça no areal que volve
O siroco feroz...
Quando eu passo no Saara amortalhada...
Ai! dizem: "Lá vai África embuçada
No seu branco albornoz... "

Nem vêem que o deserto é meu sudário,
Que o silêncio campeia solitário
Por sobre o peito meu.
Lá no solo onde o cardo apenas medra
Boceja a Esfinge colossal de pedra
Fitando o morno céu.

De Tebas nas colunas derrocadas
As cegonhas espiam debruçadas
O horizonte sem fim ...
Onde branqueia a caravana errante,
E o camelo monótono, arquejante
Que desce de Efraim
.......................................

Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É, pois, teu peito eterno, inexaurível
De vingança e rancor?...
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?!
........................................

Foi depois do dilúvio... um viadante,
Negro, sombrio, pálido, arquejante,
Descia do Arará...
E eu disse ao peregrino fulminado:
"Cam! ... serás meu esposo bem-amado...
— Serei tua Eloá. . . "

Desde este dia o vento da desgraça
Por meus cabelos ululando passa
O anátema cruel.
As tribos erram do areal nas vagas,
E o nômade faminto corta as plagas
No rápido corcel.

Vi a ciência desertar do Egito...
Vi meu povo seguir — Judeu maldito —
Trilho de perdição.
Depois vi minha prole desgraçada
Pelas garras d'Europa — arrebatada —
Amestrado falcão! ...

Cristo! embalde morreste sobre um monte
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos — alimária do universo,
Eu — pasto universal...

Hoje em meu sangue a América se nutre
Condor que transformara-se em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais... irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.

Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p'ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito...
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...

São Paulo, 11 de junho de 1868 Castro Alves

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Uruguai tem história...

Não, não está todo mundo doidão no Uruguai

Por Sylvia Colombo
FSP -23/10/14 02:06
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Boceto_para_la_Jura_de_la_Constitución_de_1830
Todas as vezes em que vim a Montevidéu realizar alguma cobertura, nos últimos dois anos, foi assim. Amigos, conhecidos, contatos, imediatamente perguntam se vou comprar maconha, se aqui está todo mundo fumando na rua e se divertindo a valer, se Montevidéu virou uma nova e badalada Amsterdã e se tudo é permitido. Então, agora que começarão a sair as minhas primeiras matérias da cobertura das eleições uruguaias no próximo domingo, já queria logo avisar: Não, não está todo mundo doidão no Uruguai.
A Lei da Maconha, aprovada pelo Congresso em dezembro do ano passado, prevê que o Estado passe a se responsabilizar pelo cultivo, produção, e distribuição. O consumo já não era penalizado há décadas, muito antes de outros países latino-americanos. O que ainda falta regulamentar e está num impasse é a parte da comercialização, ponto mais delicado, pois os diferentes grupos políticos têm visões opostas sobre se o Estado deve ou não vende-la e se é ético que receba dinheiro por isso (leia matéria hoje no caderno Mundo).
O atual presidente, José “Pepe” Mujica, ficou internacionalmente conhecido por impulsionar essa lei. E com isso transformou-se num ícone do progressismo internacional. Mas será mesmo que se trata de algo revolucionário dentro do contexto histórico uruguaio? A resposta é não.
O Uruguai é um país singular na América Latina, e isso muito antes de Mujica nascer.
Durante os tempos coloniais, foi uma das poucas possessões ibéricas onde a Igreja não logrou expandir-se. Nem a Católica, nem nenhuma outra. Diferentemente de outros países da região, no Uruguai não há igrejas suntuosas, crucifixos ou símbolos religiosos em geral. O assunto é tratado como algo de foro privado.
Cidade de porto, muito aberta ao trânsito de estrangeiros, Montevidéu acolheu a diversidade do pensamento europeu nos séculos 18 e 19, principalmente. Situado entre dois gigantes, o Brasil e a Argentina, o Uruguai foi motivo de cobiça dos países-vizinhos, o que provocou um sentimento forte de defesa e apego à lei e às instituições locais. Esse sentimento ficou expresso nas vezes em que a cidade foi sitiada. A mais séria delas foi durante a chamada Grande Guerra, em que se enfrentaram os federalistas argentinos associados aos chamados “blancos” uruguaios, contra os unitários do país-vizinho, associados aos colorados.
O fato é que a capital do país passou oito anos cercada por tropas hostis, e aguentou esse período devido à formação de um bloco interno e militar de resistência composto por europeus, brasileiros, africanos, argentinos e uruguaios. O pensador e depois presidente da Argentina, Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888), quando chegou à Montevidéu às vésperas da campanha para derrubar o governo autoritário de Juan Manuel de Rosas (1793-1877) impressionou-se com o que viu. Em sua opinião, o porto uruguaio era muito mais cosmopolita, aberto e fervilhante que o de Buenos Aires. Entre os personagens célebres engajados na resistência de Montevidéu estava Giuseppe Garibaldi (1807-1882), depois conhecido como herói da unificação italiana. No Uruguai, Garibaldi dirigiu uma esquadra naval, e sua casa até hoje é um simpático museu na região portuária da cidade. O Império brasileiro mandou tropas, à época, para apoiar os sitiados.
A abertura desses anos deu lugar a uma série de governos arejados no começo do século seguinte, o principal deles foi o de José Battle y Ordoñez (1856-1929), que num período de duas presidências (1903-1907 e 1911-1915) transformou o país com uma série de leis e medidas progressistas e de proteção aos trabalhadores. Reformas trabalhistas, estímulo à imigração e políticas de proteção aos migrantes, fim da pena de morte, proteção a crianças ilegítimas, lei do divórcio e outras foram aprovadas nessa época. A separação de Igreja e Estado ficou mais explícita. Desse período até o fim dos anos 30, o consumo de maconha esteve permitido, o aborto foi realizado em hospitais públicos, assim como a eutanásia.
mujicadeuruguay
O legado de Mujica: a lei da maconha, a do aborto e a do casamento gay, aprovados durante o governo da Frente Ampla, não podem ser entendidos sem esse contexto histórico que explica, basicamente, o que é o Uruguai. Um estado profundamente laico, e no qual se respeitam o consenso e a expressão da maioria representados pela lei. O fato de manter a religião de lado das decisões políticas não significa, porém, que seja um país completamente liberal em termos de costumes. Ao contrário, é até bastante conservador e ancorado na família. Nem tampouco que as instituições funcionem como um relógio, há casos de corrupção e clientelismo, ainda que em menor grau.
Mais do que elevar Mujica às alturas, ou rotular o velho líder tupamaro de “doidão”, vale a pena conhecer porque esse país de características tão singulares que se criou entre o Brasil e a Argentina, mantendo conexões culturais tão fortes com ambos _a mistura da percussão afro e da lamúria tangueira na música da região é só um exemplo.
Uruguai. Tão perto, tão longe.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

TAREFA -Geir Campos

Tarefa
Geir Campos

Morder o fruto amargo e não cuspir
mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a noção pulsar
— do amargo e injusto e falso por mudar —
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.



sábado, 4 de outubro de 2014

Maria Callas- Turandot

Compartilhando ária da ópera Turandot de Puccini por Maria Callas-
Os 3 enigmas:

- Qual é o fantasma que nasce todas as noites, apenas para morrer quando chega a manhã?"
-É a esperança,  responde o príncipe. Primeira resposta, correta.
O segundo enigma:
-O que é vermelho e quente como a chama, mas não é chama?
-O sangue,  responde o príncipe. Os sábios consultam seus livros: a segunda resposta também está correta.
O terceiro enigma:
-Qual é o gelo que te faz pegar fogo?
-Turandot! responde o príncipe.
 "Turandot! Turandot!" gritam os sábios em coro. Resposta correta!


Turandot, ACT 2 Scene II- Tre Enigmi M'hai Proposto! - Maria Callas música para ouvir e letra no Kboing

SONATA PATÉTICA

 Sonata Patética  Cassiano Ricardo Como na música de Gil "Lá em Londres querendo ouvir Cely Campelo prá não cair naquela ausência,  naq...