sábado, 8 de dezembro de 2018

SOLENIDADE DOS 40 ANOS DOS MÉDICOS DA UFBA 1978


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DISCURSO DO ORADOR DE TURMA
(Por ocasião da solenidade de Renovação de Formatura da turma de médicos da UFBA de 1978).

“ Eu juro, por Apolo médico, por Esculápio, por Higéia e Panaceia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir segundo o meu poder e a minha razão, a promessa que se segue.  (assim começa o juramento de Hipócrates).
...Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar plenamente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, que me suceda o contrário."         ( assim termina).
Me permitam dizer mais duas palavrinhas sobre o mestre de Esculápio, Quíron o centauro.
Na mitologia grega,  Cronos (Saturno, para os romanos), se disfarçou assumindo a forma de um belo cavalo para se esconder de sua esposa, a deusa Reia, e se unir à ninfa Filira.      Dessa união nasceu o Centauro Quíron. Metade humano, metade animal. Apesar de rejeitado pela mãe por sua estranha forma, o bebê centauro foi adotado e educado por Apolo, deus do sol e da beleza que lhe ensinou as artes, o conhecimento, o aperfeiçoamento do dom e da aptidão para a cura.
Quíron era sábio, ensinava a música, a arte da guerra e da caça, a moral, a astronomia, mas sobretudo  a medicina. Foi o grande educador de heróis, entre outros,  Jasão, Hércules, Teseu, Perseu, Aquiles e Esculápio. Uma espécie de pediatra dos filhos de deuses, semideuses e heróis em perigo por causa das traições e vinganças entre deuses e deusas.
Quíron foi ferido acidentalmente por seu amigo e discípulo Hércules, com uma flecha envenenada com o sangue da Hydra (um dos 12 Trabalhos de Hércules). O curador ferido como ficou também conhecido,  não podia curar a si próprio, nem morrer. A imortalidade, também imortalizava a dor, o sofrimento. Ele pediu para ser aceito no mundo dos mortos por Hefestos. Terminou sendo eternizado pelos deuses na constelação de sagitário. Essa busca de inspiração e do sagrado, do dom, da inspiração, está presente desde a medicina grega mitológica até a ciência moderna laica e tecnológica. Assim nos aproximamos um pouco da arte e da cultura. A medicina como uma profissão culta e humanista.
Mas vamos tentar numa aterrisagem suave, voltar para a Bahia. Nós que nos amávamos tanto, temos tanta história que daria para várias trilhas sonoras. Felicidade, passei no vestibular...
E aí começaram os melhores anos de nossas vidas. Aquele aqui e agora para estudar medicina e viver sob o sol de Salvador fazendo parte deste povo baiano, sagrado e profano, no carnaval, nas serenatas na lua cheia na lagoa do Abaeté e tudo a que tínhamos direito. Eu não tenho dúvida. Foram os melhores anos de nossas vidas. Por sermos jovens e compartilhar esse tempo vivendo intensamente, estamos aqui hoje celebrando. Alguns já se foram. Não posso deixar de citar a nossa colega Virgínia Gumes Andrade, com quem fui casado e que é mãe da nossa filha Isadora, que por sua vez é neta dos professores Zilton e Sônia Andrade, verdadeiras lendas vivas da medicina e da ciência. Isadora não pôde vir, mas está representada pelo irmão, Rafael Chaves Galvão, jovem advogado, meu filho e da colega Maria Engrácia. Também está presente Rosangela da Luz Matos, minha partner.
Fomos privilegiados com grandes mestres. Muitos já partiram. Heonir Rocha, Rodolfo Teixeira, Guilherme Lyra, Rebouças para representar os maiorais.  Continuam vivos na nossa memória e nas suas contribuições à medicina e à ciência, atuais, presentes nas publicações e compêndios médicos que ainda são utilizados e nesse sentido, são também imortais.  A todos,  mestres e colegas que conviveram, compartilharam tudo e continuam nos nossos corações, nossa sincera homenagem.

...Nós que nos amávamos tanto, temos tanta história que daria para fazer várias trilhas sonoras.
“40 anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado” ... Não resisto ao verso de Drummond.
 A nossa turma, há 40 e poucos anos atrás, fez uma greve em plena ditadura militar, uma greve histórica, a primeira em uma instituição de ensino superior, depois do AI 5.   Fizemos a nossa greve. Saímos às ruas, pedimos apoio, fizemos manifestações, abaixo assinado nos cursinhos de pré vestibular, na Barroquinha, na Av. Sete. Recebemos apoio de entidades, do cardeal Brandão Vilela, do abade do mosteiro de S. Bento, Dom Timóteo Amoroso Anastácio,  personalidades, entidades. A imprensa rompendo a censura e a auto-censura pôde finalmente noticiar. Documentar.
 Veio um figurão de Brasília,  do ministério da educação para negociar o fim da greve, que chamávamos de paralização ou assembleia geral permanente, para não ferir susceptibilidades e atrair repressão violenta.
A nossa greve virou tese acadêmica. Teria sido um impulso para o movimento estudantil no estado e mesmo no país.  Explodiu uma greve geral da UFBA naquele mesmo ano.
Vivenciamos depois a invasão policial do Hospital das Clínicas,  nosso território sagrado, com bombas de gás lacrimogêneo penetrando no interior das enfermarias. Dois colegas foram presos pela PF por dar carona a lideranças para furar o cerco ao hospital. Eu e Virgínia éramos os caronas. Sobrou para Rui Marcelo (que já descansa na paz de Deus) e para o colega Reinaldo, aqui presente, que tiveram de passar uma noite na PF –Polícia Federal.
Foi um aprendizado do exercício da cidadania, de luta por condições de ensino e por democracia em regime ditatorial.  Uma bela combinação de resistência pacífica com desobediência civil no melhor estilo praticado por Gandhi. Valeu a pena? Tudo vale a pena quando a alma não é pequena como dizia o poeta.
Sempre me vem a memória um fato pitoresco, no final da assembleia que decidiu pela greve. Foi perguntado democraticamente sobre quem não aderia. E um único colega ficou de pé e disse em alto e bom som. EU NÃO ADIRO!
A frase ficou ecoando e até hoje tenho vontade de dizer o mesmo sobre uma série de coisas às quais eu não adiro. E vou aproveitar este momento para dizer ao menos uma delas para finalizar. Li há pouco uma frase que dizia: -Eu já precisei de médico, encanador, eletricista, agricultor, etc., mas nunca precisei de um artista. Seguiam-se aplausos entusiasmados e ataques violentos a muitos artistas brasileiros e baianos por causa de suas preferências políticas.  Aplausos a um país sem artistas. Sem ter a quem aplaudir. Eu definitivamente não adiro a este tipo de coisa.
Digo mais, não estou preocupado com os artistas, eles já fazem parte da história das artes e da cultura. Já são imortais.
Me preocupa muito mais a gente que pode estar se tornando uma gente bárbara, insensível, em guerra contra nós próprios e com os nossos artistas.  Assim como eu não sou obrigado a seguir as preferências políticas dos artistas, eles também não são obrigados a seguir as minhas.
Atacar os nossos artistas é como cuspir para cima. Se muitos continuarem cuspindo para cima, vamos todos levar uma grande cusparada. É só isso, por enquanto.
Muito obrigado a todos e aos colegas que me escolheram para orador de turma na solenidade de Renovação de Formatura nos 40 anos dos médicos de 1978 da UFBA. Boa noite!



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