sexta-feira, 1 de maio de 2015

GÁS LACRIMOGÊNEO

Gás Lacrimogêneo
Cassiano Ricardo

Aplaudi o orador do comício.
Mas aplaudi, apenas, sem nenhuma
intenção de chorar.
Pois, como diz a Bíblia: ao dia
de hoje já não bastarão os seus males?

Mas a polícia compareceu rutilante.
A sua máquina de fazer chorar
funcionou
maravilhosamente, rutilantemente.
E a multidão se dispersou chorando,
Como se um monstro bíblico
desfizesse a alegria das ruas em pânico
Com o seu choro mecânico e coletivo.
E os meus olhos choraram lágrimas
inverídicas.

No entanto eu não pretendia chorar.

Pretendia ao contrário, apartear o orador
pra lhe contar que há muito tenho os olhos
Enxutos.
Que sou um habitante da caatinga.

Que sou antimarítimo, anticeleste.
.......................................................

Porque um homem não chora.

Porque pertenço a uma família enxuta e magra
a quem a sede fez secar os olhos...
Porque moro num chão onde são muitas as razões pra
chorar

Mas onde não se chora.
Meu filho choraste em presença da morte?
Meu filho não és.

Que nome terá o crime, a iniqüidade
de quem me fez chorar na rua, no áspero país
onde não se chora:
Onde não se chora senão de saudade?





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